O ano era 853. A colheita de uvas do norte da ilha de Kinnabar tinha sido particularmente ruim naquele ano. Aliás, assim como no ano anterior, as notícias eram, em sua maioria, ruins. O gado estava fraco, o feijão era de má qualidade e até o azeite estava em falta entre os mercadores e taberneiros da região. Não havia quem explicasse a situação, uma vez que a má sorte parecia estar atingindo todos os moradores. Até mesmo o Conde, que sempre tivera suas reservas de prata e dava banquetes esplêndidos nas viradas de estações, aparentava sofrer de alguma tribulação. Todos reparavam que ele estava mais magro do que de costume, além da palidez acentuada e da tristeza no semblante. Para o Conde, a má sorte havia sido ainda mais dura e os homens e mulheres da cidade de Vade temiam que as coisas ficassem ainda piores.
Foi justamente nesse ano que o velho mago decidiu sair de sua torre protegida, duma região muito distante, para viajar pelo norte de Kinnabar. Os rumores da má sorte local haviam chegado à torre e despertado a curiosidade dos magos. Porém, mesmo sendo curiosos, os magos não eram burros e temiam que a má sorte acabasse por penetrar os muros da torre, por isso se recusavam a irem averiguar o caso. Foi por isso que o velho mago, cansado de tantas aventuras já vividas, decidiu ir ele mesmo para a cidade da má sorte.
Seu nome era Maeron. Contudo, essa não é uma informação perfeita, uma vez que os magos tinham vários nomes, assim como hoje em dia. Faziam isso para se protegerem dos bisbilhoteiros que tentavam vez ou outra, se meter em seus assuntos elevados. O fato é que Maeron tinha fama no norte. E se havia alguém capaz de resolver o problema da má sorte, este alguém era Maeron.
O velho mago não vinha sozinho pela estrada. Ao seu lado, caminhando com vigor, vinha um mago mais jovem, chamado Azdel, que também possuía muitos nomes. Azdel era talentoso, mas um pouco afobado, porém era muito estimado por Maeron.
Logo que chegaram, várias pessoas vieram procurá-los, para que pudessem resolver seus problemas. Os magos não se prenderam muito aos problemas dos homens, pois sabiam que primeiro precisavam ver o Conde. Não que eles considerassem o Conde melhor do que os camponeses mais simples, pois os magos eram pessoas decentes, mas eles desconfiavam que a fonte de todos os problemas estivesse na casa do Conde.
Não foi difícil encontrar a casa. Mesmo a contragosto, os moradores de Vade informaram a localização da moradia do Conde. Os magos julgaram a informações totalmente desnecessárias, mas não disseram isso na frente dos homens. A casa do Conde era a maior casa de Vade e de longe a mais luxuosa. Havia um quintal imenso, com oliveiras ao longo do terreno. As paredes eram de pedra e o telhado era vermelho, enquanto a maioria das casas era de madeira. Havia um criado parado em frente ao portão de ferro que protegia a propriedade do Conde, esperando pela chegada dos magos. Azdel e Maeron seguiram o criado, um garoto que aparentava ter uns quinze anos, e esperaram pelo conde na sala principal.
- Muito bem vindos, magos de Kinnabar - cumprimentou o Conde com um movimento amplo, enquanto descia a escadaria principal. Ele tentava parecer alegre e confiante, mas os magos notaram que seu semblante deveria ter sido melhor em outras épocas.
- Salve Conde Eron, governante de Vade e Polidari. Que a boa sorte sempre habite nesta casa - respondeu Maeron, fazendo uma pequena mesura ao Conde.
- Infelizmente a boa sorte parece ter me abandonado há muito tempo, Maeron. E parece que agora ela começa a se alastrar pelos camponeses. Talvez minha teimosia tenha condenado a todos.
- O que quer dizer com isso? - perguntou Maeron, enquanto Azdel apenas observava.
- Há seis meses um homem trouxe seu filho para se casar com a minha filha. Ele disse ser o Duque de Olebran. Conversei com minha filha e expliquei a situação a ela, que revelou não ter gostado do homem nem de seu filho. Então falei com o Duque que minha filha não havia gostado do rapaz e que o casamento não poderia ser feito. Então o homem se enfureceu e me insultou, dizendo que ela não tinha poder para escolher essas coisas e me chamou de um grande número de coisas absurdas. Então eu também me enfureci, pois tenho o orgulho da minha família que habita nesta região há centenas de anos. E foi nesse ponto que posso ter errado, pois revelei ao homem que nem ele tinha direito oferecer seu filho, pois o verdadeiro Duque de Olebran não tinha filhos.
O Conde parou por um tempo, como se estivesse com falta de ar após o discurso. Os magos respeitaram o silêncio e esperaram pacientemente que ele voltasse a falar.
- Depois disso - continuou ele - o homem se foi, dizendo que eu iria me arrepender por aquelas palavras. E desde então o povo sofre com a má sorte que se abateu sobre este lugar.
- Podemos ver sua filha? - perguntou Maeron, repentinamente.
- Esta é uma parte do problema, velho mago. Numa noite, minha filha se retirou para seus aposentos, após o jantar. Eu fiquei acordado, fumando meu velho cachimbo quando ouvi um grito vindo do quarto dela. Desculpem-me, mas não tenho como explicar o que aconteceu. Preciso que vejam com seus próprios olhos.
Então o Conde guiou os dois magos para o andar de cima e indicou uma porta, no fim do corredor, como a porta do quarto da sua filha.
- Gostaria que os senhores tentassem chegar ao quarto dela.
Os magos não entenderam, mas prosseguiram, deixando o conde para trás. O corredor era largo e as paredes eram decoradas com quadros e suportes de velas de bronze. De repente, enquanto se aproximavam da porta do quarto, a iluminação foi ficando mais fraca. Num segundo eles estavam a alguns metros da porta. No outro eles estavam novamente ao lado do Conde e a porta estava distante, no fim do corredor.
- Entendem o que eu quero dizer? - perguntou ele, chocado com a situação. - Não vejo minha filha há meses e nem sei se ela está viva. Ninguém consegue se aproximar do quarto. Aquele patife miserável deve ter feito isso, mas agora não sei como pode ser desfeito.
Os magos se entreolharam e pensaram por alguns minutos.
- Precisamos apenas de uma corda longa e um pouco de azeite - disse Maeron. - Porém, não tenho como saber o real estado de sua filha. Mas se minhas suspeitas estiverem certas, ela deve estar bem.
O Conde se animou com as palavras do mago e foi logo buscar o que ele havia pedido. Alguns criados curiosos se reuniram no andar de cima, pois estavam preocupados com a filha do Conde tanto quanto ele. A notícia se espalhou e os moradores de Vade também se reuniram no lado de fora da propriedade. Assim que o material chegou, Maeron começou os preparativos. Ele e Azdel untaram a corda com o azeite, deixando-a completamente encharcada. Depois, Azdel arremessou a corda, segurando uma das pontas, através do corredor. Para espanto dos que viam, a corda se chocou com a porta no fundo do corredor. Logo depois, Maeron retirou uma pederneira e produziu uma faísca, que rapidamente começou a consumir a corda molhada de azeite. O fogo se alastrou com velocidade por toda a extensão da corda e chegou até a porta de madeira. Logo as chamas começaram a queimar a porta e o Conde entrou em pânico. Azdel segurou firmemente o Conde enquanto Maeron retirava uma espada da bainha, que até então estivera oculta por debaixo de sua capa. A espada era incomum aos magos, que raramente utilizavam alguma arma, mas Maeron portava uma, que tinha uma gema de ouro na ponta do punho. A espada deslizou da bainha e começou a emitir um brilho amarelado, enquanto Maeron murmurava algumas palavras desconhecidas. Logo o fogo abaixou, deixando apenas uma fumaça branca no corredor. O velho mago então guardou a espada e começou a caminhar pelo corredor. Todos prenderam a respiração, pois sabiam o que ia acontecer. Porém, não aconteceu. Maeron chegou até a porta, entrou no quarto e voltou, trazendo uma menina ruiva e de aparência frágil nos braços. Azdel liberou o Conde que correu em direção a filha. A menina apenas dormia, o que espantou ainda mais os criados que observavam. Eles gritaram, chamando Maeron de Olonad, que quer dizer Dominador das Chamas na língua dos nativos, mas na verdade vei apenas a se tornar mais um nome para o velho mago. Maeron se aproximou de Azdel, enquanto este limpava o corredor e recolhia a corda.
- Vejamos, Azdel, se você advinha o que teremos que fazer em seguida.
O mago mais novo pensou um pouco, mas logo depois respondeu sem pestanejar.
- Temos que procurar este falso Duque.
Foi justamente nesse ano que o velho mago decidiu sair de sua torre protegida, duma região muito distante, para viajar pelo norte de Kinnabar. Os rumores da má sorte local haviam chegado à torre e despertado a curiosidade dos magos. Porém, mesmo sendo curiosos, os magos não eram burros e temiam que a má sorte acabasse por penetrar os muros da torre, por isso se recusavam a irem averiguar o caso. Foi por isso que o velho mago, cansado de tantas aventuras já vividas, decidiu ir ele mesmo para a cidade da má sorte.
Seu nome era Maeron. Contudo, essa não é uma informação perfeita, uma vez que os magos tinham vários nomes, assim como hoje em dia. Faziam isso para se protegerem dos bisbilhoteiros que tentavam vez ou outra, se meter em seus assuntos elevados. O fato é que Maeron tinha fama no norte. E se havia alguém capaz de resolver o problema da má sorte, este alguém era Maeron.
O velho mago não vinha sozinho pela estrada. Ao seu lado, caminhando com vigor, vinha um mago mais jovem, chamado Azdel, que também possuía muitos nomes. Azdel era talentoso, mas um pouco afobado, porém era muito estimado por Maeron.
Logo que chegaram, várias pessoas vieram procurá-los, para que pudessem resolver seus problemas. Os magos não se prenderam muito aos problemas dos homens, pois sabiam que primeiro precisavam ver o Conde. Não que eles considerassem o Conde melhor do que os camponeses mais simples, pois os magos eram pessoas decentes, mas eles desconfiavam que a fonte de todos os problemas estivesse na casa do Conde.
Não foi difícil encontrar a casa. Mesmo a contragosto, os moradores de Vade informaram a localização da moradia do Conde. Os magos julgaram a informações totalmente desnecessárias, mas não disseram isso na frente dos homens. A casa do Conde era a maior casa de Vade e de longe a mais luxuosa. Havia um quintal imenso, com oliveiras ao longo do terreno. As paredes eram de pedra e o telhado era vermelho, enquanto a maioria das casas era de madeira. Havia um criado parado em frente ao portão de ferro que protegia a propriedade do Conde, esperando pela chegada dos magos. Azdel e Maeron seguiram o criado, um garoto que aparentava ter uns quinze anos, e esperaram pelo conde na sala principal.
- Muito bem vindos, magos de Kinnabar - cumprimentou o Conde com um movimento amplo, enquanto descia a escadaria principal. Ele tentava parecer alegre e confiante, mas os magos notaram que seu semblante deveria ter sido melhor em outras épocas.
- Salve Conde Eron, governante de Vade e Polidari. Que a boa sorte sempre habite nesta casa - respondeu Maeron, fazendo uma pequena mesura ao Conde.
- Infelizmente a boa sorte parece ter me abandonado há muito tempo, Maeron. E parece que agora ela começa a se alastrar pelos camponeses. Talvez minha teimosia tenha condenado a todos.
- O que quer dizer com isso? - perguntou Maeron, enquanto Azdel apenas observava.
- Há seis meses um homem trouxe seu filho para se casar com a minha filha. Ele disse ser o Duque de Olebran. Conversei com minha filha e expliquei a situação a ela, que revelou não ter gostado do homem nem de seu filho. Então falei com o Duque que minha filha não havia gostado do rapaz e que o casamento não poderia ser feito. Então o homem se enfureceu e me insultou, dizendo que ela não tinha poder para escolher essas coisas e me chamou de um grande número de coisas absurdas. Então eu também me enfureci, pois tenho o orgulho da minha família que habita nesta região há centenas de anos. E foi nesse ponto que posso ter errado, pois revelei ao homem que nem ele tinha direito oferecer seu filho, pois o verdadeiro Duque de Olebran não tinha filhos.
O Conde parou por um tempo, como se estivesse com falta de ar após o discurso. Os magos respeitaram o silêncio e esperaram pacientemente que ele voltasse a falar.
- Depois disso - continuou ele - o homem se foi, dizendo que eu iria me arrepender por aquelas palavras. E desde então o povo sofre com a má sorte que se abateu sobre este lugar.
- Podemos ver sua filha? - perguntou Maeron, repentinamente.
- Esta é uma parte do problema, velho mago. Numa noite, minha filha se retirou para seus aposentos, após o jantar. Eu fiquei acordado, fumando meu velho cachimbo quando ouvi um grito vindo do quarto dela. Desculpem-me, mas não tenho como explicar o que aconteceu. Preciso que vejam com seus próprios olhos.
Então o Conde guiou os dois magos para o andar de cima e indicou uma porta, no fim do corredor, como a porta do quarto da sua filha.
- Gostaria que os senhores tentassem chegar ao quarto dela.
Os magos não entenderam, mas prosseguiram, deixando o conde para trás. O corredor era largo e as paredes eram decoradas com quadros e suportes de velas de bronze. De repente, enquanto se aproximavam da porta do quarto, a iluminação foi ficando mais fraca. Num segundo eles estavam a alguns metros da porta. No outro eles estavam novamente ao lado do Conde e a porta estava distante, no fim do corredor.
- Entendem o que eu quero dizer? - perguntou ele, chocado com a situação. - Não vejo minha filha há meses e nem sei se ela está viva. Ninguém consegue se aproximar do quarto. Aquele patife miserável deve ter feito isso, mas agora não sei como pode ser desfeito.
Os magos se entreolharam e pensaram por alguns minutos.
- Precisamos apenas de uma corda longa e um pouco de azeite - disse Maeron. - Porém, não tenho como saber o real estado de sua filha. Mas se minhas suspeitas estiverem certas, ela deve estar bem.
O Conde se animou com as palavras do mago e foi logo buscar o que ele havia pedido. Alguns criados curiosos se reuniram no andar de cima, pois estavam preocupados com a filha do Conde tanto quanto ele. A notícia se espalhou e os moradores de Vade também se reuniram no lado de fora da propriedade. Assim que o material chegou, Maeron começou os preparativos. Ele e Azdel untaram a corda com o azeite, deixando-a completamente encharcada. Depois, Azdel arremessou a corda, segurando uma das pontas, através do corredor. Para espanto dos que viam, a corda se chocou com a porta no fundo do corredor. Logo depois, Maeron retirou uma pederneira e produziu uma faísca, que rapidamente começou a consumir a corda molhada de azeite. O fogo se alastrou com velocidade por toda a extensão da corda e chegou até a porta de madeira. Logo as chamas começaram a queimar a porta e o Conde entrou em pânico. Azdel segurou firmemente o Conde enquanto Maeron retirava uma espada da bainha, que até então estivera oculta por debaixo de sua capa. A espada era incomum aos magos, que raramente utilizavam alguma arma, mas Maeron portava uma, que tinha uma gema de ouro na ponta do punho. A espada deslizou da bainha e começou a emitir um brilho amarelado, enquanto Maeron murmurava algumas palavras desconhecidas. Logo o fogo abaixou, deixando apenas uma fumaça branca no corredor. O velho mago então guardou a espada e começou a caminhar pelo corredor. Todos prenderam a respiração, pois sabiam o que ia acontecer. Porém, não aconteceu. Maeron chegou até a porta, entrou no quarto e voltou, trazendo uma menina ruiva e de aparência frágil nos braços. Azdel liberou o Conde que correu em direção a filha. A menina apenas dormia, o que espantou ainda mais os criados que observavam. Eles gritaram, chamando Maeron de Olonad, que quer dizer Dominador das Chamas na língua dos nativos, mas na verdade vei apenas a se tornar mais um nome para o velho mago. Maeron se aproximou de Azdel, enquanto este limpava o corredor e recolhia a corda.
- Vejamos, Azdel, se você advinha o que teremos que fazer em seguida.
O mago mais novo pensou um pouco, mas logo depois respondeu sem pestanejar.
- Temos que procurar este falso Duque.
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